sábado, 29 de novembro de 2008

Esses olhos...


É de arrepiar!
Dizem alguns do que os toca fundo (tenho cá um em casa que é um arrepiado de primeira).
Ele é o Hino nacional num jogo da selecção.
É uma poesia.
É uma paisagem.
É um momento fugaz...
Não sei o que isso é.
Não me arrepio... a não ser de frio.
Os meus arrepios são mais acima.
Eu tenho um problema, de certeza. Só pode!
A mim, o que me impressiona humedece-me ou seca-me anormalmente os olhos.
Não consigo evitar as lágrimas no primeiro dia da primeira escola dos filhos.
Ou quando falo com as "minhas" mães sobre os feitos dos seus.
Ou quando me falam dos sucessos dos "meus" meninos.
Ou quando me dizem algo que me cala bem fundo.
E as palavras e as paisagens e o Hino... também me deixam a lágrima no olho.
E os filmes... céus, os filmes, o que me fazem chorar...
Mas nem sempre é assim.
Muitas vezes, os meus olhos ficam anormalmente secos.
Hoje ouvi palavras que, não, não me arrepiaram.
Não me humedeceram os olhos mais que o normal.
Mas isso foi porque foram daquelas mesmo especiais.
Daquelas que ficam durante muito tempo na nossa cabeça.
Daquelas que parece que já conheciamos sem nunca ter ouvido.
Os meus olhos ainda estão a pensar nelas.
Os meus olhos são estranhos... têm uma vontade como que própria.
Um dia destes talvez chorem por estas palavras que hoje ouvi duns outros olhos...


sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Banca de Sonhos




Banca de Sonhos
Foi o desafio que lançámos às nossas crianças lá na escola.
Enquanto espero por mais respostas,aqui ficam algumas:

"É um lugar onde se guardam sonhos."
"Podemos sonhar a dormir ou acordados."
"Sonhar acordados é imaginar."
"Acordados sonhamos mais sonhos bons do que maus."

A E. tem um sonho azul.
E o seu sonho é a três dimensões (suspeito que não são só três, mas muitas) e, se ela deixar, há-de ter também o seu próprio sonho, da cor que bem sonhar.
Eu tenho muitas vezes, demasiadas vezes, pesadelos, que são o mesmo que sonhos mas em mau.
E os meus pesadelos também têm formas e volumes e vontades.
Mas são muitos, preferia que fossem menos.
Sinto-me Quixote lutando contra sonhos que os outros teimam em entender moinhos de vento.
Esgotam-me e fazem-me esquecer que é possivel sonhar sonhos bons, sobretudo e tendo em conta que os sonho acordada.
O meu sonho é sonhar sonhos bons.

domingo, 16 de novembro de 2008


Quando cheguei era a adolescente com mais responsabilidades que tinha conhecido até então.
Cuidava da casa e dos irmãos enquanto os adultos estavam fora.
Ajudava o mais velho com os trabalhos da escola e mimava o Junior (nome carinhoso escolhido pelos novos vizinhos/inquilinos).
Aluna exemplar, vivia com os olhos postos no futuro.
A negativa, um dia, no teste de Matemática deixou todos surpresos.
A Mãe zangou-se.
Eu zanguei-me com o rotweiler. Foi ele o culpado.
Que Irmã-Mãe assiste impotente ao ataque súbito duma besta ao seu menino e consegue um espírito objectivo para resolver um teste de Matemática?!
A besta ficou e a menina chorou.
A besta ficou e a menina pagou com a incompreensão dos que deviam protegê-la.
Cresceu nela a ideia de que tinha uma palavra a dizer no que respeitava aos irmãos e, sobretudo, ao Irmão-Filho.
Quando parti, já não era uma adolescente, era uma mulher a lutar pelo seu sonho, ainda com o olhar de esperança no futuro.
Mas ainda era uma mulher-Menina, que confundia muitas vezes o supérfluo com o essencial.
Nem sempre sabendo quando parar.
Quando soube notícias era já uma promissora estudante de enfermagem (o sonho ganhou contornos de realidade).
A verdadeira luta estava para chegar.
Chegou sem aviso e não lhe deu tempo para se preparar.
Reagiu, agiu.
Combateu muitas vezes, sei que sempre foi ponderada, mesmo quando não escolheu as armas certas.
Perdeu batalhas mas, acredito, não a guerra.
Está prestes a terminar, triunfante, mais uma batalha.
Falta o confronto final que vai ensinar-lhe que há guerras em que todos saiem vencedores por mais que percam até lá.
Hoje a Adolescente que conheci é MULHER, enche-me de orgulho e faz-me sentir honrada por me ter incluido no seu caminho.

Obrigada Micaela.

Aqui para nós

Se os amigos descobrem que "postei" um texto do Paulo Santos... isto vai ser um corropio.
Acreditem: é uma sem exmplo, perdão, exemplo.
Ai se isto se pega!!!

sábado, 15 de novembro de 2008

Um dia destes ainda volta



S.Miguel tem um desenho bastante feminino, visto do ar, maior porta de entrada.
Na sua estreita cinta, Ponta Delgada de um lado e Ribeira Grande do outro, polvilham a ilha de pequenas casas, que do alto parecem botões de hortênsias.
Num dos topos, a lagoa das setes cidades apresenta-se como o olhar da ilha, um olho de cada cor, espelhando as permanentes nuvens, entrecortadas aqui e ali, por um teimoso raio de sol que anuncia deitar-se ao fundo das águas de Mosteiros.
Do ventre emanam fumos que o centro da terra oferece, numa mesquela de cheiros e de temperaturas, medicinais, ou simplesmente misteriosas.

Em quase todos os recantos da ilha, há surpreendentes e mutantes visões do paraíso natural que incorrem em sensações díspares consoante o momento e a companhia.

Do Sol guardo o calor reflectido no mar ou o brilho ofuscante da sua imagem numa qualquer lagoa.
Das cinzentas nuvens as descargas tempestuosas e belas dos raios dos deuses que iluminam a noite mas atormentam as almas. Espectáculo único, mas repetido nos vários quadrantes.

Descendo, narro os cheiros, sulfurosos das furnas e da ribeira quente, aos floridos dos campos de chã, e intensos dos portos de pesca, ou ainda levemente doces ou brutalmente picantes das bocas de fogão das hortênsias de gente espalhada pelas ancestrais povoações, quase todas ribeirinhas.

O gosto do alho e do picante atirado aos tremoços, ou misturado no afonsino molho das cracas. O ácido do limão que banha as lapas amanteigadas. O paladar que perdura das postas de cherne gralhada na “Borda de Água”, a carne vermelha e batida que os bifes ali têm, fritados num alho bem português ou em limão galego.
O cozido do centro da terra. O picante chouriço, o estranho pé de torresmo, as morcelas que restam da matança do porco, o suco da sopa de fervedouro, ou mesmo os recheios do assado, são lembranças que me despertam sensações que só consigo descrever com os olhos fechados.

As pessoas descrevem-se em mágoas. Histórias colectivas de dramas individuais.
Mas também em abraços e solidariedade.
Assimetrias, mas que se esvaem, sob o artificio explosivo do fogo que aceita o ano novo e mata o velho, numa qualquer calçada da ilha, ou no pátio festivo de alguns.
As mesmas gentes e emoções que atiram balões de água aos carnavalescos foliões. A guerra das limas.
Ou aqueles que em meditação e silêncio percorrem o perímetro da ilha, cantando aos santos e a Deus, em cada uma das moradas que se lhes atribui, pisando os pés e o corpo como penitência.
Os mesmos que gritam nas ruas apregoando a distribuição da carne que ajuda à comemoração do espírito, que aqui é santo.
Os hospitaleiros anónimos que entopem a cidade, recebendo dos cantos do mundo, os que no Senhor Santo Cristo, procuram ou agradecem os milagres da vida e a tenacidade e esforço da distância.

Também as pessoas mudam, como as paisagens, as cores e o sentido da vida.
Mendigam migalhas e ajudas, que misturam no álcool e nas drogas na busca de visões mais límpidas das negras vidas que carregam.
Tratam as relações como puzzles cujas peças tentam encaixar ou mudar em função dos estados de espírito, ou da falta deles.
Mas esquecem as mágoas se se lhes bate á porta um folião, ou um parceiro braçal para enfrentar as intempéries da vida ou da natureza.

E há ainda as pequenas histórias de cada um, como a minha, que em tão pouco tempo absorveu cada um dos factos e dos sentimentos que abraçam cada micaelense.

Aterrei com a mala cheia de amor. E com frutos desse amor.
Ri. Chorei. Gritei. Pensei.
Trouxe orgasmos instantâneos, ou camas partidas pela sede do amor.
Trouxe partilha e comunhão, que repetir só intensifica.
Trouxe raiva e fúria, tristeza e melancolia. Injustiça.
Trouxe um filho que o amor me deu de fruto e que não soube amadurecer na arvore que o gerou.
Trouxe, graças a Deus, o arrependimento e a penitência.
E guardo-lhe saudade.
Texto do senhor que voltará em breve, espero eu e outros mais ainda, ao sítio do costume, de seu nome Paulo Santos.