terça-feira, 5 de maio de 2009

O Rapaz dos Retrovisores


Em todas as terras há pessoas diferentes, especiais. Tão especiais que se tornam como que símbolos dos lugares onde vivem. Todos os da terra os conhecem e aos forasteiros dão-se a conhecer.
Em Penalva havia um rapaz, nunca deixou de ser um rapaz, que alegrava todos, fazia os recados a quem lhe pedia, falava alto e nunca ninguém percebia à primeira o que dizia. Corria pela vila apenas porque não conseguia evitar aquelas corridas loucas.
Não fazia mal a uma mosca, mas alguns fizeram-lhe mal. Ensinaram-lhe que para ser um homem devia beber... e, para receber o que pensava ser atenção e respeito, aprendeu a beber. Acho que nunca chegou a perceber que esses não o respeitavam.
Há um homem que desde que percebeu que para ser feliz devemos fazer o que nos dá prazer começou a correr. Corre até hoje, todos os dias e ganha corridas. Ganhou a mais importante de todas, o respeito e a admiração dos seus conterrâneos.
Nos Açores encontrei outros assim especiais.
Os dois do mesmo lugar, coincídências...
Um, jovem, caminha pela terra com um aparelho estranho. Nunca soube se criação sua ou de outros. Chamei-lhe o rapaz dos retrovisores. Nunca o vi sem eles. Eram um dispositivo estranho, que segurava nas as mãos, com uns espelhos retrovisores adaptados. Um ano mais tarde, quando voltei a vê-lo já o aparelho era mais sofisticado e podia ser suportado pelos ombros o que lhe permitia libertar uma mão, que a outra estava ocupada com a "condução" (o rapaz não usava aquelas calças especiais que permitem uma melhor aderência ao volante e, na verdade, nem sequer conduzia sentado), mas como dizia, libertava uma mão que usava como telemovel. Sim, a mão era o telemovel.
No mesmo lugar, vivia uma velhinha, curvada pelo peso da idade, que caminhava devagar e que carregava sempre a mesma e enorme saca de sarapilheira que devia ter sido, um dia, castanha e que parecia pesada. Quase todos os dias a encontrava em Vila Franca do Campo. Um dia sentou-se à minha porta e quando nos viu chegar pediu desculpa e aproveitou para perguntar se eu tinha um balde. Percebi a urgência, expliquei-lhe que não tinha um "balde" mas algo parecido e convidei-a, desculpando-me, a subir a escada íngreme para chegar à casa de banho. Temi que recusasse. Não... aceitou e agradeceu.
A senhora está à espera de alguém? (Pensei, pois ela estava sentada num degrau duma casa na rua principal, só podia esperar alguém)
Claro que esperava, uma boleia incerta com nome e tudo mas só porque às vezes passava por ali àquela hora. A última camioneta já tinha sido perdida à conta desta boleia incerta ou de outras, importante mesmo era evitar o gasto do bilhete. Alguém havia de passar e levá-la de volta ao lar.
E se não vier, como fará?
Vou a pé, mas alguém há-de passar.
E não é que tinha razão?! Por algum motivo ela tinha pousado à minha porta!
Venha lá, que eu levo-a. Onde mora?
Em Água de Pau.
Céus, a sete ou oito km dali. E esta velhinha aventureira percorria-os a pé, MESMO, porque já a tínhamos visto outras vezes à beira da estrada.
Lá peguei na saca de sarapilheira que pesava, ao que me pareceu, uma tonelada.
A caminho do carro lá tive de ouvir o taberneiro dizer:
Vás incomodá a senhôra, porque não foust na camiunét?!
Pelo caminho interrogou-me acerca da família. Disse-lhe que tinha três pequenos.
Nan se qué más... Nan se qué más, q'rida!
Vou voltar aos Açores...
Gostava de voltar a ver estas personagens.
Estou curiosa...
Será que o rapaz dos retrovisores já tem um telemovel?

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